«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

domingo, 28 de fevereiro de 2010




hoje acordei
com vontade de ser alguém
(talvez escrever uma história
sem lhe adivinhar o fim)

hoje acordei
com vontade de ser alguém
(não apenas um ponto final
apontando a rota do recomeço)

hoje acordei
com vontade de ser alguém

o olhar desprende-se da órbita
e o corpo permanece esguio
arrastando o soalho para debaixo dos pés

(ah, malditas,
malditas paredes que se apertam
quadrando o círculo…
e amanhã adormeci – sabias?
na vontade de não ser – achas possível?
e jamais renascer – ousas?

hoje acordei
com vontade de ser alguém
(morder a maçã
e adivinhar o seu suco,
rebentar um balão
e agarrar o éter com os lábios).

- então, não sabes que na póetica do ser
não basta querer?

vá, dorme,
amanhã será passado.

Laura Alberto / Jorge Pimenta
26.02.2009

Por tu e por nada (ou o poema cru)

Etc. e tal.
E se me der igual?
Oh pá, não vou levar a mal.
Nem que me chames animal.

E se depois não der?
Não importa quem por aí vier,
Mergulho num charco qualquer
Sem que nada possa trazer.

Mas se um dia mudar,
Não será ar que vou respirar,
Nem a ti quem vou buscar,
Nesse nada lugar.

Algum dia serei diferente?
Perto ou longe desta gente?
( )
Tua mão na minha para sempre.

Jorge Pimenta e Laura Alberto



Ode aos abutres de envergadura ampla e olhar fulgente sobre a pequenez

PUM
(Silêncio abutral)

Fodeu-se…

In Plano B, 02:22 m.
27/02/2010

Jorge Pimenta e Laura Alberto

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Cubo

Na boca o luar,
Cerrando os lábios.
Olhar de cera,
Sobre a cópia distraída.
Eco da memória
Pousado na espalda.
Sabor a mar,
Guardado no ventre.

Forma disforme
Rolando ao tempo.

Vrum, vrum

Auto-estrada.
Inquieta.
Móbil.
Estudado.
Fumo.
Sangue.
Foge, foge.
Esconde, esconde.
Ninguém há-de vir.
Alguém há-de cá chegar.
Vrum, vrum.
Foge, foge.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Permite-me, Mário (Cesariny)?

Amam?
Fogem.
Não amam?
Fingem.

Desejam?
Solidão.
Não desejam?
Sofrem.

Porquê
Amar?
-Tudo é
Desesperar.
Dícen?
Olvidan.
No dícen?
Envídian.

Hacen?
Fatal.
No hacen?
Igual.

Para que
´Sforzar?
Tudo es
Hurgar.

Mário Cesariny, O Virgem Negra

Lente

Rasga o ventre.
Liberta-te do interminável labirinto
Das negras entranhas.
Inspira o ar em golfadas,
Até que os olhos vejam,
Esse lugar vazio,
Onde anteriormente mergulhaste.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Nome

Como se constrói o nome?
Com uma amálgama de letras,
Juntas aqui e ali,
E ei-lo que nasce.
Flutuando entre ares de éter,
Gritado no canto da memória,
Marcando a fel as rochas negras.

O nome.
O teu.
O meu.

O nome de todos,
Que é nome de ninguém.
"Hoje, luto sozinho com uma palavra. Aquela que me pertence, aquela a que pertenço: cara ou coroa, águia ou sol?"

Octávio Paz (1914-1999), "libertad Bajo Palavras", livro IV
As Mãos na Água a CAbeça no Mar
(tradução de Mário Cesariny)


(Ilustração Laura Alberto)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Insistes em abandonar
A solitária folha branca.
Na esperança que ela se escreva,
Com garridas cores do tempo.
Mas deparei-me com o aparo partido,
E a tinta há muito que secou.

Deixo-te a folha virgem,
Naufraga dos versos mudos.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Quero precipitar-me,
Nesse teu abismo sem fim.
Violentamente bater,
Contra as escarpas desse teu ser.
Perder todo o pouco sangue,
Que ainda não depravaste.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Despe-te dessa pele rugosa,
Com que cobres o teu íntimo.
Que a besta surja vinda de um nada,
Para que eu a possa matar.




(Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/)

Sonho

Dormi,
Pousada levemente em ti,
Envolta nos teus braços nus,
Enquanto sussurravas a lenda do tempo,
Percorrendo esse estranho querer,
Com dedos perdidos de algodão.

Embalada,
Deixei-me ir à deriva de ti,
Coberta com o teu corpo nu,
Emaranhada na espuma doce
Dessa inatingível paixão,
Que destilas do teu âmago.

Dormi,
Um sono infinito,
Ao longo de tecidas malhas do tempo,
Para no fim desvendar
Que de um sonho se tratava.


Não guardes o silêncio na tua boca,
Nem encerres a voz no teu peito.
Solta o afago das tuas mãos,
E toca de leve o desejo de amar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Deixa-me beber desse teu veneno,
Enquanto mordiscas meu coração.
Sorver a seiva agridoce, que escorre
Lentamente do teu intimo.
Permite-me que me destrua nesse ácido,
Que libertas nas longas horas da noite.
Dissecar a espinal do meu ser,
E cair a teus pés.

Resposta, reposta

Perguntas-me do tempo,
Encerrado num frasco de boticário.
Digo-te que o tempo não se guarda
Em lembranças assépticas na mente.
Ele vive-se nos dias que passam,
Gastando-se na corda de um velho relógio.

Questionas-me do sentir,
Conservado numa gaveta de um relicário.
Respondo-te que o sentimento não perdura
Se encerrado em si.
Ele consome-se num efémero momento,
Vivido na fogosidade de uma carícia.

E sem mais perguntas,
Plena de respostas,
Confidencio-te o silêncio de um beijo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Abraço

Era capaz de te abraçar,
Durante cinco minutos,
O tempo de toda a eternidade,
Sentir o teu peito fundir-se em mim,
Esquecer o estranho do medo.

Era capaz de te abraçar,
Durante toda a eternidade,
O tempo de cinco minutos,
Ser o ar que inspiras,
Com o qual constróis o sonho que habitas.

Era capaz de te abraçar,
Ontem.
Quando desapareceste em fumo,
Diluído entre as brumas do teu silêncio.

Era capaz de te abraçar,
Hoje,
Quando és uma ténue imagem,
Pintada com cores de ausência.

Era capaz de te abraçar,
Amanhã…
Serei capaz de te abraçar,
Amanhã?

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O meu amor é vento,
Soprando dos confins do tempo,
Uma doce lembrança de algodão.

O meu amor é água,
Nascendo das rochas,
Suave manta de desejo.

O meu amor é terra
Salpicada de dentes de leão,
Afagados pela vontade de querer.

O meu amor foi presente.
(Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/ )

Naquele dia perdido,
Numa qualquer folha de calendário,
O maior dos temporais abatia-se sobre a Terra..

Água que caía impiedosa,
Jorrando de nuvens malditas.

E como ela teimava em cair,
Desfazendo a natureza por onde passava,
Ameaçando aquela que apenas ouvia a sua história.

E afinal, era Primavera.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pontuação, só!

Ponto final na história,
Que acaba sem começar,
De fim anunciado sem principio talhado.

Paragrafo em ti,
Em busca de ar para sorver,
Renovando o estranho sentir.

Reticências,
No sonho de amar.

Terça-feira, 9 de Fevereiro de 2010

Mergulhei o pé num regato de água fria,
Fugidia a uma qualquer presa perdida no monte,
Deixei que levasse a memória de ti,
Contornando as rochas do trilho aleatório.

Lembrei o odor a terra molhada,
Enquanto via as brumas que se erguiam,
Deitei-me numa qualquer asa,
Esperando que o bosque me cobrisse.

Até

Até já.
Vou migrar nas asas de um qualquer pássaro,
Beber nas fontes do sonho que crepita,
Ver as telas do desejo pintadas de branco.

Até breve.
Vou sair pelas janelas do futuro,
Inspirar o ar de mil cores do sentir,
Abrir as portas sem trancas da irrealidade.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Cartografias

Entre um dia e uma noite,
Uma noite e um dia,
Teimei e espequei,
Olhando bem no alto,
Os mapas impressos a branco.
Ser.
Terra seca à deriva pelo espaço,
Transformando-se em lama ao som da chuva.
Ser.
Uma fria gota de água abatendo-se pelo tempo,
Conservada em glaciares baptizados pelo Sol.
Ser.
Um quente raio de luz fugindo às águas,
Arrefecido pela sombra do destino.

Não ser
Nada.
Para ser
Tudo.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Não quero abrir os olhos,
Para algo que sei não existir.
Os ouvidos conservo tapados,
Porque as palavras morreram em silêncio.
As mãos mantenho-as imóveis,
Pois os nadas não se agarram.
Fechada conservo a minha boca,
Não sei o que dizer.

Apenas quero saborear todo esse mar,
Jorrando dentro de ti.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Não serei uma vazia peça de roupa,
Esvoaçando ao sabor do vento,
Enquanto presa a uma fatídica corda?

Não serei um solitário escolho,
Deslizando ao sabor do mar,
Enquanto se perde na espuma do teu sal?

Não serei uma triste folha,
Tocada pelas gotas de chuva
Enquanto cai por terra?

Não serei todo esse dia perdido,
Vivido ao som do teu relógio
Enquanto teima em parar?

Não sou.
Sou!



(Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Praesens

Estamos:
Esventrados,
Mutilados,
Desfeitos,
Desmembrados,
Corações silenciados.
Vozes que não batem.
Estamos:
Longe,
Ocupando os nossos postos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Madrugada

Anseio por um silêncio.
Único.
Esquecido entre a areia de uma ampulheta.
Perdido.

Desejo um toque solitário.
Errante.
Descoberto nas dunas de um deserto.
Esquecido.

Sonho um beijo húmido.
Lembrado.
Na espuma do mar fugidio.
Disperso.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Fumo

Olho o ar errante,
Lá longe distante,
Desejo ser fumo,
Esvanecendo no ar,
Trepando nos céus.

Espero perder um olho,
Destruído pela acidez de uma lágrima.
Ser surda aos que clamam,
As velhas perguntas sem resposta.

Acende-te fogo,
Leva-me longe,
Longe de ti.

Pedra de estátua

Gigantescos os teus olhos,
Com os quais observas os dias que vais passando.
Com eles vês o mar que se agita nos dias de Inverno,
E as ondas que tocam a língua de areia nos dias de Verão.

Distingues os sons de todo o ruído,
Embarcando em viagens ao som do vento,
Enquanto me ouves sussurrar timidamente.
E segues fingindo.

Conheces todo o aroma da vida,
Que gozando, misturas aleatoriamente,
O sabor a terra seca, baptizada pelas tempestades
Com a cobardia encurralada em ti.

Todos os sentidos em ti despertos,
Num verdadeiro sentir desonesto,
Serás sempre uma fria estátua de pedra
Obscurecida por densas nuvens.



(Fotografia de Pedro Polónio, http://club-silencio.blogspot.com/)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Todo o possível é impossível.
Tudo é impossível de ser possível.

Oráculo I

Subirás à mais alta arvore,
Semeada entre a selva de pedra.
Inalarás o ar mais puro,
Leve sobre a atmosfera cianídrica.
Ouvirás o silêncio da serenidade,
Sobrepor-se ao ruído da dor.

E quando finalmente ganhares a coragem
De os olhos abrir,
Verás por fim o que sempre soubeste.


(Fotografia de Jorge Molder)