«Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido.»
de Paul Auster
"Saber que será má uma obra que se não fará nunca. Pior, porém, será a que nunca se fizer. Aquela que se faz, ao menos, fica feita. Será pobre mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada. […] O que escrevo, e que reconheço mau, pode também dar uns momentos de distracção de pior a um ou outro espírito magoado ou triste. Tanto me basta, ou não me basta, mas serve de alguma maneira, e assim é toda a vida."
de Bernardo Soares

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Fausto 0,0

Oh Fausto!

Deambulando sob um céu azul chumbo,
Procurando uma breve fé num rosto desconhecido.
Fintando gotas e gotas de água gélida que segue o seu curso
Descobrindo fé no mais sujo dos esgotos,
E pecado na mais pura virgem, a pergunta,
A persistente dúvida da incessante busca nasce.
Nasce, nasce rasgando o ventre da sua mãe.
Destruindo as suas mais puras entranhas, da mais linda concessão.
Nasce, nasce e com ela o mais firme grito se ouve,
Rompe a barreira do som, e os limites do espaço.
Um abrir suave, dos mais quentes lábios, cria a mais nobre e demoníaca
PERGUNTA!

Oh Fausto!
Quantas vezes entreguei a minha confusa alma ao mais tentador dos demónios?
Quantas vezes construí a minha fé, falsa, e quantas vezes a deixei cair sobre o solo húmido?
Quantas vezes busquei aquilo que nunca consegui reconhecer e nunca tentei entender?

Oh Fausto!
As nossas dúvidas foram a nossa tentação.
Oh Fausto!
As nossas opções foram o inerte existir!
Oh Fausto as nossas decisões foram a nossa morte!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

2,3

Entre sorrisos que escondem censura
Calorosos apertos de mão encerrando o frio do árctico
Fortes abraços que encerram um punhal nas costas cravado
Vamos vivendo estes dias de ócio.

E sorrimos na multidão, sem pudor
Deixamos escapar uns “bons dias” ou um “até amanhã”
Continuamos mergulhados entre colegas
E numa honesta alegria partilhamos o nosso verdadeiro ser.

Continua a guerra silenciosa,
Na ausência de todo o arsenal bélico.
Travamos uma batalha num campo minado de traições.
À vista desarmada em trincheiras inexistentes.

Nossos ossos cansados, que em breve sucumbirão em pó,
Carregam os preciosos presentes
Para um menino que muito em breve será senhor,
Um senhor que virará um ditador

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Duvida

Entras na minha vida repentinamente,
Sem licença pedir, com suaves passos firmes.
Constrois em meu coração aquilo que chamas de lar.
E calmamente vais vivendo a fogosidade dos dias.

Encontro-te no meu intimo, querendo tirar-te de lá.
Quando a ti me habituo,
Sais sem hesitar.

14.23

Sinto ainda, a tua respiração
Aquecendo meu pescoço.
O toque forte das tuas mãos
Percorrendo todo o meu corpo,
Teu corpo.

Inspiro e sinto o teu odor
Que me enche as narinas.
Relembro o teu corpo, meu corpo,
Encostado ao meu.

Toque, desejo.

Espero, desespero.
Sinto. Quero.
Não encontro.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Visitei aquela estranha figura familiar,
Semanas antes de a ultima lufada de ar,
Repleta de oxigénio, penetrar nos seus fracos pulmões,
Cansados de uma vida inteira de estranha monotonia.

Entre memórias e lembranças, reconheci a sua fisionomia.
Aquela figura, outrora imponente,
Repousava num cadeirão de braços, de estilo colonial.
Os pés erguidos, apoiados num pequeno banco,
Que tremeria ao conhecer o seu Ser.
Um pequeno cobertor tapava as suas pernas
Que tantas vezes te afastaram de nós.

Contemplei vezes sem conta aquela feição,
De alguém perdido no tempo,
Que esqueceu o espaço, que desencontrou o seu rumo,
Sem nunca o saber.
Invadida por um bizarro sentimento de compaixão
Relembrei o passado, o distante,
Não o encontrei lá, procurei uma vez mais.
A sua ausência é nota dominante.

Agora que te enterro, choro umas estranhas lágrimas.
Não sinto a dor do luto,
O sofrimento da eterna perda.
Choro, apenas choro, um choro sem dor
Porque não tenho lembranças a recordar,
Um nada.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Para: Jorge Pimenta

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

EU

Vives, passando ilesa pelos dias.
Dias que passam iguais, sem diferenças a anotar.
Anotas no pensamento a dor que te faz sofrer,
Sofrendo em silêncio pela eterna busca,
Buscando aquilo que não tens,
Tendo aquilo que não desejas.

Desejas acabar o que começaste
Começando com o que nunca encontraste.
Encontras aquilo que nunca esperavas
Esperando no fim começar.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Anti

Encontrei-me sem paciência,
Entre os risos enganadores, falsificados afectos,
Cumprimentos proferidos sem significado,
Encontrei-me sem paciência.
Desconfio do falso amigo, que está presente nos breves instantes jocosos,
Das palavras de elogio, do gesto de carinho.
Encontrei-me sem paciência.

Não me fales, que eu não te falo.
Não me confortes, que não necessito de um abrigo.
Não me fales, que eu não te minto,
Não me perguntes, que com verdade eu te respondo.
Não disfarces, porque não sou da arte do falseio.

Não te cruzes comigo, porque eu não te odeio.
Para já.

Desculpa-me, desculpo-te!

Desculpa não me ter salvo.
Perdi-me entre sentimentos povoados de emoções.
Aninhei entre trincheiras de ódio indignado.

Desculpa não te ter ouvido,
Nesse teu discurso surdo de dor,
Numa encenação de um gesto imóvel de doçura.

Desculpo-te pela tua presença ausente,
Disfarçada na minha ausência sempre presente.

Relembra o que em tempos possuíste,
Sem nunca perceberes o que detinhas.
Esqueço o que sempre soube que não fruía
Deliciando-me com ilusão.
Não sei da densa floresta
Para atravessar a galope com o meu cavalo.
Poli o meu escudo, carrego a minha espada afiada
Tendões e músculos protegidos
De um inimigo que não consigo encontrar.

Não encontro o campo de papoilas,
Para onde os meus fieis devo guiar,
Em busca dos desleais que devo de cercar.

Sigo a galope à procura da arena
Que teimo vislumbrar, sem meus olhos nunca a avistar.

Guerreiro bélico em busca de uma guerra,
À procura de um Senhor a quem obedecer.
Mas sei que quando a espada descansar
E meu corpo depuser, a verdadeira batalha vou travar.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

III

Vezes sem conta percorro as ruas da cidade.
A minha cidade, que visito uma e outra vez.
Granito frio, que se eleva em altas casas,
Vazias de habitantes, repletas de memórias.
Os muros cedem melancolicamente ao passar do tempo,
Um relógio lento de segundos que correm ávidos
Uma folha de calendário esquecida de virar.

Os tristes vazios edifícios são alegrados por grafitis,
Alguns dignos de galeria de arte,
Outros apenas merecem um olhar. Distracção!

Caminho lentamente por esta minha cidade.
As pessoas que por mim passam,
Seguem o seu caminho mecânico, mecânico, sem pensar.
Apresso o passo por entre a multidão desconhecida
Olho o céu, pesadas nuvens cinzentas correm ligeiras
Misturadas com o fumo dos escapes do carro.

Corro, também imitando os meus companheiros mudos de viagem,
Rua à esquerda, à direita, em frente
Corro sem destino, de encontro ao local marcado.

A chuva começa a cair, pequenas gotas de água.
Seguidas por pesadas e grossas gotas de água,
Que caem numa enxurrada sem fim.
Paro aí, nesse local sem nome, que prefiro esquecer.
No engano de um raio de Sol que toca a minha face.
De um amor que existiu, que a esta conhecida solidão me levou.

Seguirei o meu rumo, acompanhada de um NADA!
Na solidão em que o ser mergulha
Encontra a força para atravessar o desconhecido.
Após tantos risos, amizades e amor
Será o vazio teu melhor amigo e a lembrança, o traidor.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Um grande amigo e poeta:
http://circum-viagem.blogspot.com/

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

NIN

II

Não sou forte.
Quando me observo no espelho
A imagem devolvida não me traz beleza
Não encontro harmonia na montra que me reflecte.
Um dia passa, logo a seguir, um outro acaba por passar,
E assim semanas, meses e anos.

Olho me no espelho
Gasto de tantas perguntas, tantos porquês?
Não me reconheço fisicamente,
Não me consigo admirar visualmente.

Olho me no meu intimo
Naquele lugar inacessível ao olhar dos outros
No preciso local esquecido pela Humanidade
Reconheço-me.
Encontro-me, e afinal daqui nunca me perdi.

Um bicho estranhamente forte.
Nunca quebrado pelo peso exterior.
Nunca sucumbirá aos preconceitos.

Um bicho estranho, um estranho bicho
Em paz com o seu físico
Em luta com o seu espírito
Mais perto de atingir a paz
Alcançando assim a dor do reconhecimento.

I

Vivemos entre muros.
Altos, cinzentos, e frios muros.
Erguidos em verdes prados férteis,
Salpicados de tímidas fortes flores silvestres.
Alicerces no quente coração da crusta terrestre.
Altos, e cada vez mais altos muros,
Construídos pedra sobre pedra.
Pedra sobre pedra que teimará sempre em não cair.

Da programada concepção,
Do acto mecânico de procriação,
Uma criança verá o negro céu.
Ouvirá memórias de um Sol perdido no espaço.
Viverá entre os muros.
Altos, cinzentos, e gelados muros.

Mas no coração do ser,
Do verdadeiro SER HUMANO
Um mundo vive encerrado.
Um sonho, que antes foi,
Um desejo de voltar a ser.

Levanta-te, pequena grande criança.
Sonha, pensa, faz.
Na força do teu acto,
No manejar da tua espada,
O sangue derramado, o sangue que ferve,
No limiar da dor, toldada pelos sentidos,
A criança sou eu.